Associação de Baianas desaprova ‘acarajé do amor’ e defende tradição ‘sem surfar em influências contemporâneas’
A Associação de Baianas de Acarajé (Abam), em Salvador, emitiu uma nota de repúdio, nesta sexta-feira (1º), contra alterações feitas na receita do quitute para se assemelhar ao “morango do amor”, em Aracaju (SE) e Maceió (AL).
Normalmente, o acarajé é acompanhado do caruru, vatapá, camarão e salada vinagrete. No entanto, os bolinhos batizados de “acarajé do amor” vendidos nesses dois municípios são servidos com doce e morango.
Em nota, a Abam reforçou a tradição do ofício das baianas e do acarajé e disse que não aceita qualquer tipo de alteração na receita e no modo de preparo dos quitutes, destacando a atitude como “sem propósito”.
“Somos empreendedoras ancestrais e focadas na tradição deixada por nossos antepassados, sem surfar nas influências contemporâneas sem propósito”, diz o pronunciamento.
Conheça os ‘acarajés do amor’

Acarajé do amor em Maceió — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Na cidade de Maceió, a iguaria é servida no Acarajé da Irmã Jane, de forma parecida com o tradicional, recheando o quitute. Porém, ao invés dos acompanhamentos tradicionais, são colocados brigadeiro convencional, brigadeiro de leite em pó e morangos.
Já em Aracaju, mini-acarajés são cobertos por brigadeiro de leite em pó e caramelo. Em entrevista ao g1 em Sergipe, a empreendedora Ingrid Carozo, de 36 anos, disse que teve a ideia após o sucesso do “morango do amor”.
“No dia que eu vi que o morango do amor estava em alta, comprei os ingredientes e junto com a cozinheira fizemos o acarajé do amor e divulgamos na rede social do nosso estabelecimento”, contou.
Mas a sergipana reforçou que o objetivo não é ferir a tradição. “Eu acho normal dividir opiniões, ninguém pensa igual a ninguém, a gastronomia pode ir além da nossa imaginação. Eu entendo as críticas e respeito a religião, porém teve outra cidade que fez e não houve crítica. […] O acarajé do amor foi feito pra divulgação, só para entrar no clima do momento”.
O estabelecimento da família funciona há 26 anos na Zona Sul de Aracaju e é conhecido por receitas que mudam a forma tradicional de servir o quitute:
- acarajéburguer;
- acarajé com creme de avelã;
- acarajé pizza;
- espetinho de acarajé.
Outras polêmicas
Empreendedores baianos já fizeram acarajé e abará em formato de pizza, picolé e barca de sushi — Foto: Juliana Almirante/ Redes sociais/ Maiana Belo
Além do “acarajé do amor”, outras mudanças na forma como é servida o acarajé viraram tema de polêmica na Bahia. A mais recente é o acarajé rosa, em homenagem ao filme da Barbie, que foi lançado em 2023, na capital baiana.
Em 2017, a mesma criadora do acarajé cor de rosa, Adriana Ferreira, lançou a barca de acarajé e abará, em referência à barca de comida japonesa. No lugar de sashimi, hot holl, uramaki e outros tipos da iguaria oriental, estavam os quitutes com camarão, vatapá e salada.
No mesmo ano, o acarajé e o abará ganharam formato de pizza pelas mãos da estudante de gastronomia e “personal chef” baiana, Claudia Cristina Santos Conceição, em Salvador. Na época desempregada, ela criou a “pizzajé” e a “pizzará” para pagar as contas.
Não satisfeita, Claudia Cristina criou o “picoré” e o “picorá” em 2020. A receita tem a mesma proposta das pizzas: investir no sabor do acarajé e do abará, mas em formato de picolé.
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Acarajé cor de rosa será vendido somente nesta semana em Salvador — Foto: Redes sociais
Na febre dos ovos de páscoa recheados, Claudia também aderiu à moda com o ovo de acarajé e o ovo de abará. Na mesma linha dos outros produtos, a base do ovo, que normalmente seria a casca de chocolate, são os quitutes baianos.
Já em Feira de Santana, segunda maior cidade da Bahia, a vendedora Daniele Paiva, criou uma receita de acarajé doce. A massa tradicional, que é preparada com feijão fradinho, passou a levar goiabada e açúcar.
Todos foram reprovados pela Abam. A entidade destaca que o quitute é “um patrimônio”, e que, no máximo, as versões podem ser chamadas de bolinho de feijão. Isso porque, no universo do candomblé, o acarajé é comida sagrada e ritual, ofertada aos orixás, sendo uma das razões pela qual a receita se mantém sem muitas alterações.
O Acarajé
Preparo do acarajé, em Salvador — Foto: Globo Repórter
O acarajé é um bolinho de massa de feijão frito no azeite de dendê. A massa é feita com feijão fradinho moído, água, sal e cebola.
Antigamente, as baianas demoravam um dia inteiro para tirar a casca do feijão fradinho e fazer a massa do acarajé. Hoje, elas compram já descascado, o que gera uma economia de tempo, e mantém o mesmo sabor, além de custar menos.
A cebola é misturada à massa pouco antes da fritura do bolinho no azeite de dendê. O recheio é vatapá, caruru e camarão seco (defumado).
A preparação do àkàrà je, que significa comer bola de fogo na língua Iorubá, desembarcou no Brasil junto com os escravos oriundos do Golfo do Benim, na África Ocidental.
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Baiana de acarajé trabalhando no tabuleiro de Cira, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador — Foto: Maiana Belo/G1
No universo do candomblé, o acarajé é comida sagrada e ritual, ofertada aos orixás, sendo uma das razões pela qual a receita do acarajé se mantém sem muitas alterações.
Transmitida oralmente ao longo dos séculos por sucessivas gerações, o acarajé era comercializado no período colonial pelas escravas de ganho ou negras libertas, proporcionando a elas a sobrevivência após a abolição da escravatura.
Séculos depois, o ofício ganhou o Dia Nacional da Baiana do Acarajé, comemorado em 25 de novembro, e, desde 2005, foi oficialmente reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
No ano de 2012, foi a vez do reconhecimento ser registrado em âmbito estadual, pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac).
G1