Em entrevista exclusiva à jornalista Christina Lemos, do Jornal da RECORD, nesta quinta-feira (10), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou duramente a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros e classificou a atitude como desrespeitosa.
Segundo o presidente, o Brasil vai priorizar a negociação em um primeiro momento, mas não descartou retaliar os Estados Unidos com a mesma tarifa de 50%. “O que mais vai valer é o seguinte: nós temos a lei da reciprocidade, que foi aprovada no Congresso Nacional. E não tenha dúvida que, primeiro, nós vamos tentar negociar. Mas se não tiver negociação, a lei da reciprocidade será colocada em prática. Se ele vai cobrar 50 de nós, nós vamos cobrar 50 deles.”
Além disso, Lula comentou que o Brasil pode recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio) contra a decisão de Trump. Contudo, voltou a salientar que, se nada der certo, o Brasil deve recorrer à lei da reciprocidade.
“Tanto o Itamaraty quanto o nosso Mdic [Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços] já vêm conversando com os Estados Unidos — já vinham conversando desde a taxação dos 10%. Veja, do ponto de vista diplomático, nós temos que recorrer à OMC. Você pode, junto com a OMC, encontrar um grupo de países que foram taxados pelos Estados Unidos e entrar com um recurso na OMC. Isso tem toda uma tramitação que a gente pode fazer. Se nada disso der resultado, nós vamos ter que fazer a lei da reciprocidade.”
O presidente classificou a carta escrita por Trump para anunciar a tarifa de 50% como um “material apócrifo”. “Eu achei que a carta do presidente Trump era um material apócrifo, porque não é costume você ficar mandando correspondência para outro presidente através do site do presidente da República.”
Lula anunciou que vai criar um comitê para acompanhar a situação entre Brasil e Estados Unidos, em recado direto aos empresários.
“Vamos criar, e os empresários vão participar. A gente vai acompanhar dia a dia e repensar a política comercial com os americanos”, afirmou.
Ele também acusou Trump de desconhecer a realidade comercial entre os dois países e exigiu respeito. “A primeira coisa que o povo brasileiro precisa saber é que quem tem que respeitar o Brasil e gostar do Brasil são os brasileiros. E, ao mesmo tempo, exigir que os outros nos respeitem”, afirmou Lula.
egundo o petista, “o Brasil é um país em que tudo se resolve na conversa”. Em tom firme, Lula mandou um recado direto:
“Respeito é bom, e eu gosto de dar e gosto de receber. Não pensem que temos complexo de vira-lata. A gente não tem medo. Claro que estamos preocupados com o Brasil, mas também com os Estados Unidos. Trump fala para o eleitorado dele, mas eu penso no povo brasileiro, que quer crescer, melhorar de vida e ter relações boas com todos os países”.
Desconhecimento do Brasil
O brasileiro acusou Trump de demonstrar profundo desconhecimento sobre o Brasil.
“Se ele conhecesse um pouco do Brasil, teria mais respeito. O Brasil tem 201 anos de relação diplomática com os Estados Unidos, uma relação virtuosa, de benefício mútuo. Eu me dei bem com todos os presidentes americanos, porque o Brasil é um país de diálogo.”
Lula rebateu ponto a ponto os argumentos de Trump na carta enviada ao Brasil. Confira:
Soberania e a Justiça brasileira:
“Eles têm que respeitar o nosso Judiciário como eu respeito o deles. Se o que Trump fez no Capitólio tivesse acontecido aqui, ele estaria sendo processado como o Bolsonaro e poderia até ser preso. Aqui, o Judiciário é autônomo, sobretudo o STF.”
Plataformas digitais e empresas americanas:
“Quem estabelece as regras no Brasil é o Congresso Nacional e o Judiciário. Nenhuma empresa estrangeira pode vir aqui e ignorar nossas leis. Trump precisa entender isso.”
Comércio exterior:
“Ele alega que os Estados Unidos têm déficit com o Brasil, mas isso não é verdade. Em 2023, exportamos US$ 40 bilhões e importamos US$ 47 bilhões dos EUA. Tivemos um déficit de US$ 7 bilhões. E, se somarmos os últimos 15 anos, o Brasil acumulou um déficit de US$ 410 bilhões com os americanos. Será que ninguém do Tesouro explicou isso para ele antes de ele escrever aquela carta absurda?”
Campo diplomático e comercial
Lula afirmou que, diante da medida, o Brasil tomará providências no campo diplomático.
“Temos vários caminhos. Podemos recorrer à OMC [Organização Mundial do Comércio], propor investigações internacionais, cobrar explicações. Mas o principal é a Lei da Reciprocidade, aprovada no Congresso. Se ele cobrar 50% da gente, a gente vai cobrar 50% dele.”
O presidente também criticou o ex-presidente Jair Bolsonaro e seu filho, deputado Eduardo Bolsonaro, por supostamente atuarem para incentivar Trump a retaliar o Brasil.
“O ex-presidente deveria assumir sua responsabilidade. Foi o filho dele quem foi lá influenciar Trump, que agora tenta interferir em um processo que está na Suprema Corte brasileira. E, aqui, decisão judicial se cumpre.”
Entenda
O confronto entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump levou o norte-americano a anunciar uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos, com início previsto para 1º de agosto.
Adversários ideológicos, os dois chefes de Estado reacenderam a tensão após recentes episódios envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e a cúpula do Brics, realizada no Brasil.
Na quarta-feira (9), Trump enviou uma carta a Lula informando a medida. Segundo o presidente norte-americano, trata-se de resposta a supostos ataques do Brasil à liberdade de expressão de empresas dos Estados Unidos e ao tratamento dado a Bolsonaro.
R7.com