O dia 31 de dezembro, consagrado a São Silvestre, carrega para a família Sampaio, um significado ainda mais profundo. Foi nesta data, no ano de 1925, que nasceu Silvestre Sampaio dos Santos, homem simples, trabalhador incansável e personagem marcante da história de Conceição do Coité, especialmente no campo da fotografia.
Se aqui estivesse nesta quarta-feira, último dia do ano de 2025, Silvestre estaria completando 100 anos de vida. Embora tenha partido em 16 de maio de 1998, seu legado permanece vivo na memória dos filhos, netos, amigos e nas milhares de imagens que eternizou ao longo de quase seis décadas de trabalho como retratista.
Silvestre nasceu na Fazenda Pinda, área rural de Conceição do Coité, filho de Jovelino Martins dos Santos e Hercília Sampaio dos Santos. O casal teve 10 filhos, sendo quatro homens e seis mulheres, e Silvestre foi o primogênito da família. Dos irmãos, oito já partiram para a eternidade. Permanecem entre nós Jovelino Sampaio dos Santos, irmão mais novo, aos 78 anos, e Joana Sampaio dos Santos, com 89 anos, guardiã viva de parte dessa história familiar. Abaixo a fotos dos dois.
Joana conhecida com ‘Nem’ lembra do irmão pacífico e de bom coração.”Ele me levava pra todo lugar que ia, e nunca falou alto com a gente, meu irmão era pura bonadade”, lembra Joana.
Jovelino se separou da familia quando ainda jovem foi morar em Santos – SP, mas nas vindas a Conceição do Coité, jamais deixou de relembrar a infância ao lado do irmão mais velho. Lembra que aos 3 anos, recebeu uma camisa verde com um P, que não sabia o que era, depois descobriu que era do Palmeiras, que ficou sendo seu time do coração.Lino lembra que foi no casamento do irmão tomou todas e conheceu o primeiro porre.
Primeiro casamento
Ainda jovem, Silvestre constituiu sua primeira família ao casar-se com Benzita Mota, união da qual nasceram cinco filhos. O destino, porém, lhe impôs uma dor precoce: aos 33 anos, ficou viúvo. Com as dificuldades próprias da época, especialmente no acesso aos serviços de saúde, Silvestre também perdeu filhos ainda muito cedo. Hoje, Maria das Neves representa os frutos vivos desse primeiro relacionamento.
Anos depois, Silvestre refez sua vida ao casar-se com Vandira Silva Mascarenhas, a querida Dona Vanda, com quem construiu um lar marcado pelo acolhimento, pelo amor e pela união. Ao se casar, levou consigo os filhos do primeiro casamento, formando uma família harmoniosa, exemplo raro de generosidade e compromisso.
Do casamento com Dona Vanda nasceram Glória, Darci (falecida ainda bebê), Sônia, Cássia, Jorge, Ana Maria, Raimundo, Gilberto e Miriam. Para a felicidade da família, todos vivem, e mesmo não podendo celebrar o centenário do patriarca em vida, reverenciam neste 31 de dezembro de 2025 o seu grande legado in memoriam.
Dona Vanda, que conheceu Silvestre quando tinha apenas 17 anos e hoje está com 83, relembra no vídeo que acompanha esta homenagem como se deu a união do casal. Em seu relato, destaca um homem autodidata, que aprendeu de tudo um pouco, mas que encontrou na fotografia sua maior paixão e vocação.
Foi no fim da década de 1950 que Silvestre se destacou como fotógrafo — profissão que à época era chamada de “retratista”. Tornou-se um dos primeiros fotógrafos de Conceição do Coité e de toda a região sisaleira. Percorria quilômetros pedalando uma bicicleta, levando na garupa sua inseparável máquina lambe-lambe — um equipamento fotográfico artesanal, de funcionamento manual, no qual a revelação da imagem era feita no próprio local, dentro da câmera, exigindo técnica, paciência e profundo conhecimento do ofício.
Dona Vanda lembra que em locais próximos, tipo povoados em festa, ele ia de bicicleta fotografar, mas quando precisava ir pra longe, a carroceria dos caminhões era o meio de transporte mais comum para o deslocamento até a região de Jacobina, Riachão do Jacuípe, Tucano, Ribeira do Pombal, Caldas de Cipó, entre outras.” Tinha situação de ele ficar 10 dias trabalhando fora”, lembra dona Vanda.
Foto São Jorge
Instalou um ponto fixo que ganhou o nome de Foto São Jorge, local onde recebeu gerações de coiteenses. Fotografou festas de largo, casamentos, batizados, aniversários, inaugurações de obras públicas e incontáveis momentos do cotidiano. Era o fotógrafo mais procurado da cidade e, certamente, milhares de famílias guardam até hoje alguma fotografia feita por ele, nem que seja o tradicional 3×4 usado para documentos.
Popularizou-se pelo apelido carinhoso de “Vestinho Retratista”, mantendo o Foto São Jorge em funcionamento por quase 60 anos. O Foto funcionou em cinco pontos diferentes no centro comercial de Conceição do Coité. O primeiro foi na Rua Wercelêncio Calixto da Mota, na residência onde morou a família do empresário Antônio Dantas Fontes, da Brasilgás, vizinha ao antigo prédio da Rádio Sisal. Dona Vanda recorda que Silvestre mantinha outro comércio paralelo ao serviço fotográfico e, buscando melhor localização, alugou sua casa da Rua Antônio Nunes Gordiano — onde ela reside até hoje — e passou a morar e trabalhar no centro.
Unindo o útil ao agradável, Silvestre chegou a residir e trabalhar no mesmo local no fim da década de 1950. No início dos anos 1970, transferiu o estúdio para as proximidades do Mercado Municipal, onde hoje funciona a Mero Móveis, voltando a morar na Rua Antônio Nunes Gordiano. Anos depois, mudou-se para um ponto a cerca de 150 metros dali, na junção entre a Loja Silva e Rios e a Mersan. conforme imagens abaixo.
Em 1972, após a vitória de Hamilton Rios de Araújo, Silvestre foi convidado a trabalhar na Prefeitura Municipal, assumindo a função de administrador do Mercado Municipal. Na ocasião, o prefeito cedeu-lhe uma sala onde ele reinstalou o Foto São Jorge, permanecendo até 1979, quando, a pedido do então prefeito Walter Ramos Guimarães, seu compadre, precisou desocupar o espaço.
A partir do fim de 1979 e início da década de 1980, Seu Vestinho alugou um novo ponto para o estúdio fotográfico, em um local que muitos consideram o melhor de todos: a Praça da Matriz, coração de Conceição do Coité. Era ali que tudo acontecia — próximo à igreja, palco das festas religiosas, das celebrações populares e do intenso movimento do centro da cidade. O Foto São Jorge passava a integrar definitivamente o cotidiano social e cultural do município.
Naquele período, Raimundo Mascarenhas, que já auxiliava o pai nos trabalhos do estúdio, resolveu tentar a realização de um sonho pessoal no meio fotográfico. Aos 20 anos, partiu para São Vicente, na Baixada Santista, onde permaneceu por alguns meses. Lá, teve a oportunidade de trabalhar em estúdios fotográficos, participando de produções com modelos, desfiles e trabalhos mais elaborados, experiências que ampliaram sua visão profissional e lhe trouxeram novos horizontes.
No entanto, em cada ligação para a família, ouvia o pedido insistente para retornar e ajudar a cuidar do estúdio. Atendendo ao chamado, Raimundo voltou a Conceição do Coité trazendo consigo uma visão mais moderna e expansiva do negócio. Uma de suas principais ideias foi a instalação de um laboratório para revelação de fotos coloridas.
Naquela época, os filmes fotográficos precisavam ser enviados para fora do Estado da Bahia para serem revelados. Os principais destinos eram a New Color, em Governador Valadares (MG); a Fuji Film, no Rio de Janeiro; a Fujioka, em Goiânia; e, em alguns casos, até Manaus. A espera era longa e angustiante: entre 20 e 40 dias para que as fotos retornassem. Era fácil imaginar a ansiedade das famílias que aguardavam o resultado de momentos únicos e irrepetíveis. O tempo mais curto para receber as fotos coloridas foi quando Feira de Santana passou a revelar fotos em cores, e ainda assim, chegava com uma semana.
Somente no início da década de 1990 foi possível adquirir um laboratório manual de revelação colorida, um verdadeiro marco para a fotografia local. A novidade trouxe não apenas qualidade, mas também rapidez. Pela primeira vez, o estúdio passou a anunciar, por meio do alto-falante da Dedé J. Ramos Publicidades, a entrega de fotos reveladas em apenas uma hora — algo impensável poucos anos antes e que causou grande impacto na cidade.
Em comum acordo com o pai, Raimundo sugeriu também a mudança do nome do estúdio. O tradicional Foto São Jorge deu lugar ao Silvestre Color — um nome mais moderno, alinhado aos novos tempos da fotografia. A sugestão foi prontamente aceita por Seu Vestinho, que sentia um orgulho especial ao ligar o rádio e ouvir o anúncio trazendo o seu nome, agora associado à inovação e à cor.
Com o passar dos anos, porém, o líder e pioneiro da fotografia em Conceição do Coité passou a enfrentar problemas de saúde, especialmente respiratórios. Gradualmente, reduziu sua presença no estúdio e passou a permanecer mais em sua residência, afastando-se do trabalho cotidiano até seus últimos dias. Silvestre Sampaio dos Santos faleceu em 16 de maio de 1998, aos 72 anos, deixando um legado imenso para a história da cidade e da fotografia regional.
Após a partida do pai, Raimundo Mascarenhas manteve o projeto funcionando até o início dos anos 2000, período em que o mercado digital começava a despontar e a transformar profundamente o setor fotográfico. Com novos projetos e diante das mudanças tecnológicas, optou por encerrar as atividades no espaço físico, após 24 anos de funcionamento na Praça da Matriz, ao lado de Adonias Point.
Mas, como todo verdadeiro fotógrafo, jamais abandonou a câmera fotográfica. Porque mais do que um ofício, a fotografia sempre foi — e continua sendo — uma forma de preservar a memória, contar histórias e eternizar o tempo
Neste 31 de dezembro de 2025, ao lembrar o nascimento de São Silvestre e o centenário de Silvestre Sampaio dos Santos, a família e a comunidade de Conceição do Coité celebram mais do que uma data: celebram a história de um homem que eternizou vidas, construiu família com amor e deixou sua marca impressa não apenas em fotografias, mas na memória afetiva de toda uma cidade.
Um legado que o tempo não apaga.
Calila Notícias